Câmeras Soviéticas – Histórias, Pesquisas, Verdades e Lendas 

As câmeras Zenit começaram a ser oficialmente produzidas na União Soviética em 1952, sendo um marco na história da fotografia mundial, ainda que muitos tenham tentado desqualificar seus valores. 

Tratando-se exclusivamente da linha Zenit e seus principais laboratórios/montadoras, a história começa de fato na Áustria, em 1756 com a Voigtlander e um pouco depois em 1764 na Ucrânia, com a Arsenal. 

A Voigtlander já era referência na produção de câmeras e lentes, sendo a empresa que se apropriou do projeto de lente Petzval, feita por Josef M. Petzval em 1840, possibilitando um salto gigantesco na produção de retratos ainda na época dos daguerreótipos. Já a Arsenal, era a responsável pela construção e reparo de grande parte dos dispositivos ópticos do Império Russo. 

Saltando um pouco no tempo e na história, ao final da Segunda Guerra em 1945 e divisão da Alemanha, os soviéticos se apressaram em se apoderar de esquemas, moldes, peças e tudo o mais para desenvolver suas câmeras e lentes com finalidades diversas com engenharia reversa do que encontraram nos principais pontos de ‘sua porção alemã’ (e afins!). 

Neste contexto, temos as câmeras Contax, da Zeiss, servindo de modelo para as câmeras Kiev da Arsenal, que também se aventurou no médio formato baseada nos modelos da Hasselblad. Já o laboratório soviético KMZ, em Krasnogorski, Rússia, inicia a produção da linha Zenit em cima de outro projeto bem sucedido, o Zorki (feito a base da câmera telemétrica Leica II). A grande diferença era que a nova linha seria Reflex (SLR), para filme 135. Os soviéticos já tinham adaptado a alemã Voigtlander Brilliant para sua versão chamada Komsomolet, que posteriormente evoluiu para a também famosa linha Lubitel

Em 1949, a Zeiss-Ikon tinha desenvolvido a primeira câmera reflex do mundo, ou seja, a primeira câmera com uma minimização potente ao incômodo erro de paralaxe de diversas câmeras compactas, fole e TLR. Como grande parte dos equipamentos fotográficos produzidos após a popularização da linha Brownie, da Kodak, as novidades eram caras e de produção relativamente complexa para a época (tecnologicamente falando, eram a novidade do mercado mundial, logo, a nova experiência era comum para consumidores e fabricantes). Na URSS, em termos práticos, os produtos deveriam ser duráveis e relativamente acessíveis. A informação aqui pode ser um pouco imprecisa em função de câmbio da época e demais variações comerciais, mas os modelos soviéticos tinham montagem mais simples e quase sempre a partir de 10 vezes mais barata. 

KMZ e as câmeras ZENIT 

Agora que já entendemos o contexto histórico e funcional dos laboratórios de óptica da URSS: entre 1952/1953 a 1967, diversos modelos manuais e semiautomáticos da série Zenit foram produzidos, com lentes de encaixe M39. Neste final de anos 60, surge a Zenit-E, conhecida mundialmente com o apelido de “tanque de guerra”. O modelo tem tal apelido pelo peso, vindo de uma linha de moldagem em ferro, fotômetro de selênio e seu encaixe M42 que permitia o uso e adaptação de diversas lentes de diversos fabricantes, logo, diversas finalidades. 

A KMZ produzia/trabalhava com as câmeras Zenit inicialmente com lentes Industar ou Helios, mais para o final da produção aos anos 90 com uma linha também batizada de Zenit. 

Depois da Zenit E, diversos modelos fabricados a partir de seu molde foram produzidos, sem deixar a E de lado. A produção era maciça e dividida em mais laboratórios além da KMZ, sendo o BeLomo/Vileika na Bielorrússia um dos mais conhecidos. Já o mais obscuro, menos comentado e misterioso de todos, é o ponto de montagem brasileiro da Zenit. Alguns relatos dizem que ficava no Amazonas, sob responsabilidade da BMA, empresa que importava/comercializava várias marcas no Brasil ainda nos anos 90. Outros, associam o laboratório a Novacon, no Rio de Janeiro. Encontramos no mercado brasileiro o modelo ZENIT 12 PRO (que muitas vezes nem consta nos catálogos oficiais da Zenit, parecendo uma versão improvisada da Zenit 12 CD ou SD, na tal montadora de Manaus) e o ZENIT 130, da Novacon. O fato é que, independente de quem fez ou disse ter feito, ambos são montados a partir de aparentes restos de peças da montadora BeLomo de Vileika, em Belarus/Bielorrússia. 

A Zenit-E foi a mais comercializada SLR do mundo, com mais de 8 milhões de unidades em circulação. Os tardios modelos 212K e outros com a mesma montagem, já para o final dos anos 90, ainda podem sem comprados em caixa e zerados, mas como sugerido acima, sem tantos cuidados e durabilidade quanto seus antecessores. Ainda assim, pela simplicidade, preço e relativa durabilidade, a linha ZENIT em geral é a melhor porta de entrada para entender e praticar a fotografia analógica. 

VERDADES E MENTIRAS – ZENIT 

Q: Câmeras Zenit tem uma qualidade ruim? 

R: A maioria é excelente. Encaixe o que leu acima no contexto histórico: os maiores fabricantes da década de 40 até 90 tentavam emplacar mais e mais modelos mundialmente todos os anos. Tudo era lançado com preços altos por serem ‘a mais nova tecnologia de ponta’. A URSS trabalhava com engenharia reversa e achou o pote de ouro na criação da Zenit-E e ao transformar as lentes Carl Zeiss Biotar 58mm/f2 na sua série Helios 44, por preço absurdamente menor, aspecto menos comercialmente apelativo e apenas com funções extremamente necessárias para qualquer fotógrafo de habilidades básicas. Foram quase 50 anos de batalha para queimar o nome do que venderia e produziria fácil, contra o que daria mais lucro. TODAVIA, é fato que nos anos 90 a queda de braço ficou muito desigual, com a qualidade dos últimos modelos Zenit caindo, já com corpo plástico/baquelite, frágil, peças reaproveitadas e, por fim, a chegada dos sistemas digitais. 

Q: Tenho uma câmera Zenit e ela não funciona! Ela é parte desse grupo de “últimas câmeras”? 

R: Não necessariamente. Veja que você pode ter uma câmera de 50 anos em mãos, ou uma de 30. Toda câmera está sujeita aos cuidados de manutenção dos donos/lojas. Tenho uma Zenit E de 1977, perfeitamente funcional e é minha fiel escudeira em trabalhos longos, inclusive já salvou minha pele quando algumas Canon e Sony digitais ficaram com frescura. Já minha 212K, feita nos anos 90, está em longa manutenção por problemas no fotômetro, obturador e dentição de suporte do filme. Não sou o primeiro dono de ambas. 😉 A foto a seguir foi feita com a Zenit-E, filme Ilford, durante viagem ao Peru. Nesta viagem uma lente Canon 85mm decidiu travar o anel de foco e a 6D resolveu ficar com alguns erros constantes nas baterias e encaixe da lente. Como não dava pra parar a expedição pra procurar conserto, confiei na Zenit-E e várias lentes M42 para alguns registros: 

Aguas Calientes – Peru, 2019 

Q: A Zenit faliu nos anos 90? 

R: Não. Hoje ela obviamente não é de administração 100% estatal, sendo parte da Shvabe. Você pode ler em inglês no site deles mais um pouco sobre outros instrumentos e missões, pré e pós-Guerra. 

Q: As lentes que acompanham as câmeras Zenit são boas? 

R: Sim. Naturalmente, vale o comentário da PRESERVAÇÃO/CUIDADOS do dono/antigo dono/loja. Há uma curiosidade bastante interessante sobre a série Helios 44 e 44-2 que pude constatar pessoalmente: toda a série inicial produzida durante a época da URSS tinha quase sempre três versões: PROTÓTIPO (uso em laboratório, teste ou demonstração de produto para avaliação), VENDA NX (número serial com datação/código do ano de fabricação, feita para venda, inclusive exportação) ou 00 (feitas para versões comemorativas ou até mesmo exclusivas para personalidades); Tenho uma 44 desta série 00, com qualidade muito superior a 44-2 que veio em minha Zenit E (que já é espetacular). ATENÇÃO: esta regra do número de série não se aplica a todas as Helios. Esta foto foi feita com a 44-2 que veio na Zenit-E de 1977, comprada na Romênia em 2017. Adaptada em Canon digital: 

Mari in Oraselul Copiilor 

Q: A Zenit ainda fabrica câmeras e lentes? 

R: Sim. O último modelo lançado e anunciado (estamos em 2021 neste texto!) foi a câmera Zenit M, digital mirrorless em parceria com a Leica (quem diria! PARCERIA!); a linha Helios ainda está em produção, inclusive com alguns modelos novos além dos relançamentos e a linha Zenitar. Para mim, as melhores novidades foram a série Petzval e Daguerreotype, feitas a partir dos moldes de lentes originais de daguerreótipos de 1839 e 1840, com encaixes M42, Canon e Nikon. Algumas fotos minhas desta página foram feitas nesta mencionada Zenit-E, com a Helios 44-2 que veio com ela, 40-2 dos relançamentos de 2015 e as vezes a 44-M que veio na 12Pro: 

Minha Zenit-E, assim que chegamos da Romênia! 🙂 

Q: Há algum modelo extremamente exótico de Zenit? 

R: Sim, o Photosniper (ou Photosnaiper, como a tradução ruim exportou oficialmente por muitos anos). Era um conjunto adaptado de Zenit E ou 122 com uma lente da linha Tair com 300mm, acoplados a um gatilho de rifle para disparo sem trepidação (pois a lente pesa mais de 1,5kg sozinha!); tenho um kit de 1987 e outro de 1992, ambos de extrema nitidez e robustez. Veja: 

Como mencionado anteriormente, o modelo ZENIT 12 PRO não é tão incomum no Brasil, já que foi montado aqui. Contudo, beira o impossível acha-lo até mesmo no mercado russo. Nos catálogos oficiais da Zenit, inclusive, é raro encontrar menção ao mesmo. Seu acabamento é de fato bastante rústico para a época de produção (segunda metade da década de 1990) e o fotômetro também deixa muito a desejar. Mais uma vez, tomando em comparação uma Zenit E (série dos anos 70), a 12 PRO compensa única e exclusivamente por sua durabilidade mecânica em relação a câmeras compactas, mas para os SLR já é um investimento duvidoso. 

Zenit 12 Pro, produzida em 1996 e revisada em 2022 

Defeitos comuns das câmeras deste período de fim de século XX são recorrentes em linhas de entrada, neste caso não só da Zenit. Falando especificamente de nossos materiais de atenção russos/soviéticos, uma oxidação acelerada da dentição que “puxa” os filmes, sincronização falha das velocidades de disparo e em alguns casos má vedação da região do visor pentaprismático. Note que não é uma regra, mas as séries 212/212K/12 Pro tem um índice de reclamações/defeitos proeminente. Vejam abaixo que, mesmo não sendo “o material top de linha”, a câmera e uma de suas lentes básicas de kit costumam entregar ótimos resultados se usada em condições favoráveis: 

ZENIT 12 PRO – Ilford 125 

Minha 212K gabaritou a listinha de possíveis/comuns problemas após algum tempo de uso. Todavia, é de uma conveniência incrível vez ou outra investir numa câmera dessas. Seu encaixe K favorece encontrar/compra o kit câmera+lente muitas vezes por um preço muito acessível (aí, use sua lente K em uma boa câmera Pentax, ou faça a devida adaptação para alguma DSLR APS-C/Mirrorless (DSLR full frame muitas vezes uma lingueta do encaixe K bate no espelho ou dependendo da câmera até mesmo no sensor, melhor não arriscar. Há quem goste de quebrar tal lingueta, o que prejudica para uso no analógico depois.) Veja o que a 212K fez por aqui com uma excelente lente Tamron zoom de kit: 

Zenit 212K – Quando a “cortina” ajudaZenit 212K – Quando a “cortina” não ajuda 

Q: Qual a média de preço de uma câmera Zenit no Brasil? 

R: Não há um valor correto de média. Veja bem: em 2017 na Romênia comprei uma Zenit-E completa e uma Lubitel 2 pelo equivalente a R$50. Ambas perfeitas. Já vi apenas o corpo da Zenit-E em lojas online e lojas de usados pelo mesmo preço. A 12 Pro, por sinal montada no Brasil, raramente tem aparecido por menos de R$100 e a 212K, justamente por ter encaixe K (Pentax), ainda mais cara. Todavia, 12Pro e 212K apesar de serem ótimas câmeras, não tiveram o mesmo cuidado e qualidade de produção da era de ouro da KMZ/BeLomo/MMZ e etc. Arrisco dizer que, caso encontre uma usada, muito bem preservada, com lente limpa e funcional, seria um ótimo investimento para a vida tirar uns R$200 ou um pouco mais da sua conta bancária. 🙂 

LUBITEL 

Clique aqui para conhecer um pouco da história do modelo LUBITEL, ver um ensaio com a câmera e material produzido com seu primeiro modelo oficial. 

ARSENAL E A LINHA KIEV 

Hoje, a Arsenal (Kazenne pidpryiemstvo spetsialnoho pryladobuduvannya Arsenal) tem galerias de arte instaladas em alguns dos seus prédios mais antigos, parte do patrimônio histórico ucraniano e ainda produz materiais óticos, médicos e outros itens. Sua história começou em 1764, sendo a empresa de construção e reparo do equipamento do Império Russo. Mesmo durante a Guerra Fria, tanto o setor de câmeras quanto o setor bélico funcionou a todo vapor, mas o controle de qualidade baixo não rendeu boa fama a muito do que foi desenvolvido ao longo dos anos em que a URSS foi perdendo força. 

Neste vídeo, poderá ver como era a produção da Arsenal não só voltado para câmeras. Para a época, extremamente bem desenvolvido e operacional. Contudo, como descrito nos detalhes do vídeo, em 2009 já não era competitiva o bastante e tomou outros rumos: 

Este texto será atualizado com o tempo. Mande sua pergunta para que eu possa incluir aqui também na próximas atualizações! 🙂